Sou mulher demais para você



      

         SOU MULHER DEMAIS PARA VOCÊ

 

Ontem à noite coloquei as chaves sobre a escrivaninha e capotei do jeito que estava. Imediatamente imergi num sonho estranhíssimo, daqueles que a gente pede a Deus para não ser verdade e se contorce todinha na cama antes de acordar banhada de suor. No bendito universo paralelo que me vi presa talvez durante algumas horas [nunca tenho certeza, pois o tempo parece irreal no campo onírico] um amigo do meu esposo me encurralava dizendo que iria revelar segredos do meu passado para ele. No entanto, a verdade do sonho não era a minha, mas uma mistura de surrealismo com auto ficção. Eu ficava desesperada, pois se o meu companheiro soubesse dos tais fatos omissos iria me largar. Em contrapartida, ao tentar evadir do lugar, vários homens me barraram, porta por porta. Fui coagida a permanecer ali esperando a tragédia se consumar de braços cruzados.

        Sempre gostei de interpretar sonhos. Cheguei a comprar aqueles livrinhos toscos de simbologia para tentar compreender o que se passava na minha cabeça durante o sono. Depois vi que os símbolos não valiam para todo mundo e que, sendo bem redundante, cada caso é um caso, cada sonho é um sonho. Desisti da prática afinal. Depois disso passei a sonhar e não dar a mínima: ah, estou apenas remixando imagens com um toque de Dalí. O problema é que ao esbarrar num sonho tão semiótico me intrigo ao ponto de não descansar enquanto não souber o seu significado. Sim, existe um, mas ele está além de manuais prontos.

         Tive então que vasculhar o meu dia anterior e a forma que me senti nas últimas 24 horas. Lembrei de uma conversa bem elucidativa com um rapaz sobre o comportamento dos homens em relação às mulheres independentes. O cara é um desses bem resolvidos financeiramente e na vida, pois trabalha no que gosta e já curtiu bastante. Um conquistador também, devo admitir. Alguém que convence facilmente a qualquer um que prefere se relacionar com uma pessoa que tenha a “cabeça aberta”. Porém confessou a mim e a minha amiga que diversas vezes fugiu de mulheres como a gente por não saber como agir diante delas. E, das vezes que conseguia disfarçar a gafe e dar continuidade na conquista, algo o puxava para outras mais passivas por ser mais fácil de lidar. Um ponto para você, querido.

         Não, não estou sendo irônica. É um ponto mesmo, bem merecido, por confessar: os homens literalmente broxam quando se deparam com o empoderamento feminino. Por Deus, não falo unicamente das feministas. Tem muita mulher empoderada que admite não ser feminista, mas o é em essência, por não deixar homem mandar nela, por lutar pelo seu espaço, por construir a própria carreira sem alpinismo social. Essas mulheres assustam. Como assim ela não vai colocar uma calça ao invés de um short? Por que vai sair só com as amigas para tomar cerveja? Como ela teve coragem de me dizer que estava com tesão? É puta. Não vale a pena namorar. Que fique com outro, comigo jamais.

         E assim, mais uma vez uma grande mulher fica sozinha porque os homens não estão preparados para essa nova mulher que surgiu tão recentemente. Não vamos muito longe. Às vezes as próprias mães deles foram donas de casa a vida inteira, ou se trabalharam apanharam dos parceiros, ou ainda se privaram de curtir a juventude cuidando dos filhos enquanto os maridos passavam a madrugada com as mulheres QUE ELES NÃO TIVERAM CORAGEM DE CASAR, com as mesmas que desprezam de certa forma. Diversão. A mulher independente é um acessório. Qual homem não quer exibir um mulherão [não estou falando dos aspectos físicos] a noite inteira e ao voltar para casa ter outra a lhe esperar caladinha?

         Não é de me estranhar que no sonho tenha ficado desesperada com a possibilidade da “descoberta”. Nós somos criadas numa espécie de harém onde não recebemos o direito de ditar regras, apenas de receber. Eles vem, nos escolhem, nos mastigam e nos jogam fora. Depois nos rejeitam. A mulher que desejar entrar nesse código  como uma igual sofre as consequências: é barrada na porta centenas de vezes e caluniada. Como o amigo que havia saído do local com o intuito de me denunciar ao meu esposo e destruir a minha relação. Porque segundo o senso de moralismo defendido por ele, eu era nociva por gostar de mim mesma.

         Só que pensando racionalmente, a versão dele dos fatos não era nada da qual pudesse me envergonhar moralmente. Nem motivo para que o meu marido – ou de qualquer esposa – me largasse ou ao menos brigasse comigo. Porém, a forma como este amigo e os armários se portaram, sim. E não devemos continuar aceitando quando um homem nos julga e diz, por exemplo: você não é pra casar. Na verdade, não é mesmo, não com aquele homem, que muito provavelmente se trata de um bosta, que treme na base ao se deparar com uma mulher consciente dos seus desejos, ativa e inteligente.

A mulher do século XXI está numa disputa acirrada com os homens e não está disposta a ceder. Nós já perdemos demais durante toda a história, agora é a nossa vez. E não é a tentativa de vocês de nos desmoralizar ou de preferir as outras que infelizmente ainda não adentraram na luta que vai fazer nos curvar. Não vamos ser relegadas a segunda ou terceira opção só para lamber o ego de macho. Até porque, ao constatarmos o medo e a incapacidade de nos tratarem como realmente merecemos [com carinho, respeito e compreensão] somos nós que não iremos, nunca mais, dar trela para nenhum de vocês.

        

        

 


        

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